Le Gamin au Vélo O jovem Cyril (Thomas Doret) foi abandonado pelo pai num lar para crianças e tem essa ideia fixa de o encontrar. Samantha (Cécile de France) cruza-se por acaso no seu caminho e acolhe-o em sua casa durante os fins de semana. Mas Cyril, concentrado na raiva de ter sido abandonado, não consegue ver o amor que Samantha lhe dedica.
Que vemos nesta imagem de Thomas Doret e Cécile de France (+ a bicicleta), extraída do novo filme dos irmaos Dardenne, "Le Gamin du Vélo"? Provavelmente, vemos uma cena familiar, jovial, serenamente marcada pelo calor materno...
Vemos mal. Ou melhor, vemos um efeito verdadeiro, mas que não envolve toda a verdade. Os Dardenne gostam de forcar a verdade a exprimir-se. Ou seja, neste caso, devemos dizer que nos é dado a ver também: um filho errante, desesperadamente a procura de ser aceite pelo pai; uma mãe acidental, acidentalmente forçada a assumir alguma autoridade paterna; e uma bicicleta, simbolo e motor de uma história que parece nao poder aquietar-se.
Não há muitos cineastas a fazer um cinema assim, tão crente no poder realista do cinema e, inseparavelmente, tão empenhado em fazer-nos ver e sentir que a realidade é sempre uma paisagem em fuga. Vemos as pessoas, pressentimos algerias e dramas, mas afinal é tão difícil estar à altura da infinita complexidade do humano.
Tal como em títulos anteriores, incluindo os bem chamados "O Filho" (2002) e "A Crianca" (2005), os Dardenne filmam a solidão radical dos filhos, afinal espelhando a solidão dos próprios pais (quando eles existem nas histórias dos filhos...). Estamos perante uma arte radical, por um lado resistindo à formatação televisiva, por outro lado nunca abdicando de celebrar o poder revelador do cinema.
Aconteça o que acontecer, "Le Gamin du Vélo" ficará como um dos momentos altos da 64ª edição do Festival de Cannes: um desses filmes que nos ajuda a perceber que o futuro do cinema, digital ou outra coisa qualquer, está longe de ser uma questão banalmente tecnológica. Trata-se de filmar os seres humanos e as suas razões. Razões, no plural, porque como dizia Jean Renoir: "Cada um tem a sua razão".
C'est la vie.
por João Lopes actualizado às 23:41 - 15 maio '11
publicado 20:55 - 15 maio '11
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